segunda-feira, 7 de março de 2016

Os assentos e a condução na faixa alheia



Às vezes o meu pai chama-me desastre ambulante. Coisa de grande injustiça; não faço ideia do porquê do meu progenitor, sangue do meu sangue, me difamar com tal arbitrariedade. Questiono-me, no entanto, se terá a ver com certos casos pontuais que me sucedem, a mim, pobre de mim, sem que eu tenha qualquer intervenção nelas. Como foi no outro dia, em que confundi as cadeiras do Teatro da Cerca de São Bernardo com as cadeiras do Teatro Académico Gil Vicente. Então, no fim do espectáculo, puxei para cima o assento da cadeira do Teatro da Cerca de São Bernardo, tal como faço com os assentos das cadeiras do Teatro Académico Gil Vicente. E eis que me acontece tal coisa como nunca se viu. Há cadeiras teimosas que nem portas, que se lhes puxa o assento e ele não vai; teima que há-de vir para baixo, e dali não sai. Mas não foi este o caso. Neste caso, o assento arrastou o encosto e quando vi estava a cadeira completa no chão, assento, encosto e tudo. Que há assentos que se movem sem levar as costas das cadeiras atrás, enquanto há outros, como os das cadeiras das cozinhas de das salas das pessoas, que se se empurra o assento, vai a cadeira toda. Estava eu, entretanto, entretida a pensar na peça e tal e à conversa e quando olhei para a cadeira ali esparramada no meio do chão, costas e tudo, pareceu-me que havia ali algo não estava bem. Havia algo ali que não estava correcto, que não havia decorrido consoante aquilo que costumava decorrer nos outros sítios. O meu cérebro, porém, levou algum tempo até assimilar o diferencial. A minha mãe sempre disse que o meu cabelo ao sol tem reflexos acobreados, o que anda próximo do louro. No entanto, creio ser esta situação perfeitamente compreensível; afinal de contas, tratavam-se de dois estabelecimentos cujo nome começa por "Teatro" e as letras que se lhes seguem são, em ambos os casos, letras do início do alfabeto, se não veja-se. "Académico" e da "Cerca". É, portanto, algo perfeitamente compreensível. Como daquela vez que eu ia a conduzir pelo meio de uma povoação chamada Lavacolhos (juro) e vi um cãozinho muito fofinho passeando-se pela localidade, e eu ia a conduzir na faixa direita, até que comecei a ouvir toda a gente aos gritos dentro do carro. Histéricas; eu só passei por uns instantes para a faixa esquerda, numa zona de curva-contra-curva, afinal não se pode passar indiferente perante uma coisinha felpudinha muito gira e fofa, é preciso olhar e, às vezes, quando se olha para o lado não se consegue olhar para a frente ao mesmo tempo. O meu pai não tem, portanto, razão alguma em chamar-me desastre ambulante. É designação de grande injustiça.

Texto anteriormente publicado no blog "Riscado a Giz".

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