sexta-feira, 29 de junho de 2012




A pessoa que não gostava de gajas nuas



É deprimente. É tão desinteressante, que chega a ser deprimente, achava a pessoa. Então, tinha por hábito evitar locais onde tal fenómeno pudesse ocorrer. Nomeadamente, a casa de banho da própria casa, onde, algumas vezes ao dia, andam por lá fenómenos desses. Não que evitasse propriamente a casa de banho em si, mas evitava certamente quando os fenómenos se encontravam por lá.

E um dia estava um desses fenómenos deprimentes na casa de banho, e se aquele fenómeno era deprimente (muitos ossos juntos, assim a quererem saltar e furar a carne, mas digamos que o mais deprimente do fenómeno deprimente nem seria isso, seriam outros aspectos de percepção mais complexa).

E a pessoa estava no quarto à espera que o fenómeno concluísse lá o que estava a fazer. Mas o fenómeno não concluía. A pessoa estava aflita, mas mesmo aflita, que tem intestinos sensíveis, irascíveis, de mau feitio e com um génio do caraças. Extremamente caprichosos. Quando pedem, tem de se fazer logo, sob duras penas. Para ali andou a pessoa, deambulando, a ver se o fenómeno passava, ou então, quem sabe, o aperto e a aflição passassem também. Mas duvidava que fosse por aí.

E como o fenómeno da carga de ossos não passasse, a pessoa teve de optar pelo plano B, já entrando na dimensão de emergência. 

Penicos, já não se vendem. Ainda tentou encontrar um, para estas eventualidades, mas em vão. Assim, havia adquirido um alguidar, mas não para efeitos de penico, e sim para efeitos de fazer a função que normalmente os alguidares fazem. Mas, naquele dia, era a única alternativa que lhe ocorria.

Foi-se ao alguidar. E pumbas, arreou calhau. 

E depois a pessoa ficou aflita, mas agora de uma aflição diferente. É que estava num quarto, e cheirava-lhe a WC. Mas WC mal cheiroso, uma vez que nos WCs costumam existir autoclismos, e ali não. Foi buscar quilómetros e quilómetros de papel higiénico. E lixívia. A lixívia fez muita espuma e tudo. Mas ainda assim. 

Felizmente, havia um grande janelão aberto, mas coberto, que a vizinhança não tem que ver com os planos B de emergência que se passam em casa dos outros. Mas ainda assim.

Pegou nos suportes de madeira, pintados de tinta brilhante, e, com o riscar de um fósforo, acendeu três paus de incenso de uma vez.

O fenómeno de carga de ossos, que, tendo bastado o plano B ter sido colocado em acção, saiu de imediato do WC, começou a gritar e a praguejar contra o cheiro a incenso, que morria intoxicado, que morria intoxicado.

Abriu as janelas da casa toda, abriu a porta da rua. A vizinhança espreitava lá para dentro, da casa, a ver o que se poderia estar a passar. Mas é gente discreta, não se detinham muito tempo, nem faziam perguntas. E a porta da rua aberta e a outra aos gritos. O outro. O fenómeno dos ossos.

Entretanto a pessoa que estava no quarto enviou-lhe uma mensagem de telemóvel e perguntou-lhe mais ou menos assim:

- "Tu estavas no chuveiro, eu tive de cagar no quarto. Preferes cheiro a incenso, ou cheiro a merda? Escolhe".

E o fenómeno dos ossos foi e fechou a porta da rua.




O preto


 Era uma vez uma criatura que ia para sua aula de ioga. Costuma ir compostinha, que tem um fatinho de calça igual à blusita, bem bonitinho, que sabe que lhe fica bem, que as salas de ioga são assim como as de ginástica, têm sempre espelhos, e a criatura já a viu ao espelho, fica bonitinho. E depois, levava o cabelo assim apanhado no alto do cucuruto, assim a modos que ao estilo bailarina, mas mais esgrouviado, que é demasiado rebelde, mais o seu cabelo, para penteados muito arranjadinhos. Assim a modos que uma bailarina redonda, mas pronto. Com uma saliência na zona abdominal, que as bailarinas não costumam ter, mas pronto. 

Veio um rapaz, que até era preto bem preto, e olhou para a tal criatura. A criatura olhou para o moço, já que estava a olhar para ela, para ver o que se passava, não fosse ter vestido as calças das vessas. Mas como não lhe parecesse nada de especial, deixou de olhar. E o moço também. 

Mas depois passou um cãozito. E fez-lhe um mimo e sorriu para o cãozito. A criatura. E o moço voltou a olhar. E ela pensou: mas será que o rapaz nunca viu ninguém que gosta de cães? E continuou a olhar e ela começou a ficar com medo. Mas depois passou outro cãozito fofo e voltou a sorrir ao cãozito, e aí o moço inverteu a marcha e foi atrás da sua pessoa.

E a sua pessoa começou com suores frios. 

E só não estugou o passo porque isso costuma aumentar a velocidade de gente que persegue outra gente. Tentou, tranquilamente, manter a calma e aproximar-se da aula de ioga.

Graças a Deus Nosso Senhor, tem a sorte de ter um professor de ioga que ocupa a porta toda, não à largura, mas ao comprimento, e é assim careca, o que, para quem não sabe o que é ioga, lhe dá assim um ar meio skin que dá muito jeito em certas circunstâncias. Como esta.

E sempre era o professor skin que dava a aula naquele dia, e por sorte, estava à porta.

Nunca pensou a criatura que sorrir para cãezitos fofos pudesse dar origem a tais trabalhos. Quando chegou à aula, já ia suada, escusou o professor skin de estar a esforçar-se tanto.



quinta-feira, 28 de junho de 2012

Cocó



Era uma vez uma pessoa que andava a tentar não fazer barulho de manhã. Porque na casa em que essa pessoa vivia, havia uma cobra, uma víbora cheia de veneno e que, quando acordava, começava a destilá-lo. Então, essa pessoa foi pé ante pé fazer a sua vidinha. Fez tudo o que uma pessoa deve fazer de manhã. Mas guardou o despejar do autoclismo para o fim, quando fosse sair, uma vez que a víbora acorda com o autoclismo e assim sempre tinha tempo de puxar a água e fugir. 

Sucede que a pessoa que andava a tentar não fazer barulho de manhã se esqueceu de todo do autoclismo, tal era o pânico que sentia, que a víbora acordasse. Quando chegou da rua, a víbora (que sabia escrever, por acaso, não se sabe bem como terá aprendido), havia escrito um qualquer recado. Algo como: "Para o caso de não saberes, o autoclismo serve para deitar água. A água é para se puxar!" - ou, talvez, algo mais mal educado e irónico, que mentes positivas têm dificuldade em reter.

Essa pessoa que andava a tentar não fazer barulho de manhã, há muito não dirigia palavra à víbora, não fosse a a víbora acordar com o barulho e fazer estrago, como de costume. Mas daquela vez escreveu assim "Olha quem fala" e meteu um smiley assim :) no fim. Porque a víbora levava a vida a deixar visíveis certos produtos intestinais.

Um dia, andava lá outra moça. E a víbora voltou a deixar produtos intestinais visíveis. E a pessoa que andava a tentar não fazer barulho de manhã, deixou estar os produtos, para ver o que acontecia. Foi então que a outra moça diz assim:

- Ó Cris! Está ali um cagalhão na sanita! Vê lá se não te esqueces de puxar a água que os outros não têm de ver aquele espectáculo" - ou algo semelhante.

E a pessoa que andava a tentar não fazer barulho de manhã riu-se muuuuuiiiitoooooooooo sozinha.

E a víbora saiu de casa e bateu com a porta com toda a força :)

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Futebol


Joga, por estes dias, a Selecção Nacional. A minha opinião acerca do futebol e da futilidade a ele associada é questão mais do que assente na minha existência. No entanto, isso não me impede de usufruir do espectáculo. Na verdade, não é o conceito em si que considero fútil, mas toda a envolvência. Pelo que usufruo. Comentava eu, por estes dias, com a minha mãe, que é divertido assistir aos jogos no meio de um grupo grande de gente e sentir as emoções ao rubro. Tempos houve em que eu mesma tinha um grupo de colegas da escola com quem me empanturrava de porcarias de cada vez que a Selecção jogava. Por que é que não conseguimos conviver normalmente sem ter de levar a comida atrás? O que é que futebol tem a ver com comida? Bem, naquela altura engordei bem à conta da Selecção. Mas chega desta obsessão acerca do peso; afinal nem estou assim tão acima do peso que deveria ter. Mas nessa altura, foi um estrago total. Depois, até já se faziam jantaradas mesmo sem haver Selecção. Lembro-me de uma vez que fomos assistir a um jogo ali no recinto da Sra.de Mércoles: écran gigante instalado, sardinha assada e cerveja, se não era à borla, era quase. Foi divertido ver o jogo assim. É bom termos o mesmo motivo fútil para celebrar que uma grande quantidade de pessoas. A ideia de carneirada não é agradável, mas juntarmos a nossa energia positiva à de mais alguém, de muitos mais alguéns, em prol do desporto ou da música sabe bem e faz bem à alma. Tenho saudades de ter um grupo de amigos com quem ir ver jogos de futebol. Teria de dispensar boa parte das guloseimas, e das cervejinhas também, que infortunadamente tão mal me fazem às entranhas, ainda que sejam nutricionalmente um alimento bastante interessante. Eis então que transformo este texto num manifesto, para que esses tempos voltem, mas em melhor forma ainda. É que gostei, e apetecia-me outra vez.


quinta-feira, 21 de junho de 2012