segunda-feira, 7 de março de 2016

O senhor que ficou tão atrapalhado com o filme, que meteu pela porta errada

Era uma vez um filme. Eu gosto muito de ir ao cinema e depois estar sozinha na sala. Por isso, vou às duas da tarde e assim. Quando posso, que é quase nunca, mas quando posso, vou. E pensava que lá ia estar sozinha, e esparramei-me toda na cadeira e meti os pés em cima das cadeiras da frente. Isto deixa-me profundamente feliz porque este corpo dói de ficar muito tempo na mesma posição e não gosta da posição sentada normal das pessoas normais, o que torna as sessões de cinema fora de casa em algo pouco agradável no sentido em que normalmente faço figura de quem está impestiada (gosto mais do que empestada) de bichos carpinteiros. Ele é perna para cá, perna para lá, e nunca estou bem. A não ser que os pés estejam em cima das cadeiras da frente. Ainda bem que os capitalistas da Castello Lopes decidiram fechar os cinemas todos do interior; fazem muuuito bem, porque eu também não gostava de lá ir, porque as cadeiras eram altas e eu não tenho ginástica que chegue para chegar com os pés lá àquelas alturas; ou, pelo menos, não tenho comprimento que chegue; era capaz de ficar enterrada na cadeira e, do filme, ver apenas as cabeças das personagens e os tectos dos cenários (as partes de cima, vá, que os tectos estão pejados de projectores e agente não os vê). Já tentei meter os pés nos apoios dos braços da cadeira da frente, mas é inútil, é demasiado estreito. Então, eles que metam a porcaria dos cinemas deles num sítio apertadinho que eu cá sei, e que costuma doer quando se para lá metem coisas que não são habituais. Se bem que há quem goste. Estes às tantas gostavam e assim não há vingança. Oh que chatice. Mas estava eu a falar que pensava que ia ficar sozinha, mas veio um senhor de uma certa idade. Ver um filme sobre sexo. Não gostei da ideia de ver um filme sobre sexo só com um senhor de uma certa idade na sala. Não fosse o velho ter ideias. Mas não, o senhor estava demasiado atrapalhado para ter ideias. Era um filme sobre sexo, mas não era um filme sobre sexo normal. Era um filme sobre sexo em pessoas deficientes, chamado "Seis Sessões". Não há assim muito sexo, como devem calcular, apesar de ser um filme sobre sexo e se dizer muitas vezes a palavra sexo e a palavra pénis e a palavra vagina. Os mais tímidos podem ficar com vontade de meter por baixo da cadeira da frente, digo eu. Depois há as professoras de Ciências da Natureza que têm de berrar estas palavras para uma audiência agitada e barulhenta, pelo que há muito são mais umas quantas palavras que têm de se gritar e pelo que não lhes faz muita impressão estas coisas, já lá vai o tempo e tal. Entretanto, vem o intervalo e vem o senhor escada a baixo e das duas portas que há na sala, ele escolheu justamente a que não era. São umas que eu uma vez vi que davam acesso a ver o espectáculo dos U2 quando eles estiveram no estádio. Eu vi, eu passei por essa porta e ia sendo presa por tal. Mas o senhor não foi preso, talvez por não estarem lá os U2, ou talvez por não ter conseguido abrir a porta, não sei. Havia uma personagem de uns desenhos animados que davam quando eu era miúda, as Corridas Malucas, em que havia um cão, que era o Mutley, que rosnava e ficava a resmungar depois de o dono, que era o mau da fita, lhe dar uma traulitada na cabeça quando ele se ria quando as coisas corriam mal ao dono, que era o mau da fita. Assim parecia o senhor. Foi-se embora a resmungar, provavelmente contra a idiota da porta, ou o idiota que a pôs ali, e o mal que está que o corredor não seja por ali e seja pelo outro lado. E pronto, foi assim.


Texto originalmente publicado no blog "Riscado a Giz".

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