sábado, 27 de outubro de 2012

Mona Lisa, ou a gaja que está sempre a olhar para a gente


Andava eu a vadiar. As aulas acabavam às 11 e 15, e a reunião da tarde era só às 17 e 30, e noutro sítio. Posso até trabalhar nos entretantos, mas à hora de almoço, se não hei-de ir almoçar fora e passear-me pelas lojas, e há lá coisa que uma gaija goste mais de fazer (no meu caso, por acaso até há, tantas e tantas). É que, apesar de tudo, lá emagreci um bocadito e fazer belas toilettes continua a ser um dos meus musts, assim como o momento fútil ao qual me dou ao direito, por isso, nem que não se compre nada, ao menos tiram-se ideias e vêem-se coisas que depois ajudam a ter outras ideias. E sempre se desmói o almoço. E andei por lá, e andei. 

Até que passei em frente à Benetton. Nunca entro, mas daquela vez entrei, porque estava uma gorra na montra, ou melhor, várias, nas cabeças daquelas rapariguitas de plástico, sempre em pose e muito quietas, em pose e muito quietas. E se tinham cores giras. As gorras, que as miúdas eram todas mais brancas que a cal das paredes - deve ser dos nervos de estarem ali assim paradas a olhar para as gentes a passar.  Havia uma roxa. Eu já tenho uma roxa, mas aquela era mais clara. Deixa lá ver, pensei eu. E olhei para a gorra. Era uma gorra daquelas que as minhas mães não gostam. Mas debaixo da gorra, estava a  rapariguita. Estava com ar de má, a olhar-me de esguelha. E eu entrei na loja  e ela sempre a seguir-me com aquele olhar malévolo.

Entrei, comprometida, na loja. Não sei qual o problema da rapariga comigo. Eu não fiz nada, eu tencionava pagar pela boina que, ainda apor cima, não existia no interior da loja. Questiono-me se ela estaria enervada a pensar que eu poderia vir a roubar-lhe a boina, precisamente por não haver nenhuma lá dentro e restar apenas a da montra. Aquilo é tão quentinho e sabe tão bem na cabeça, que compreendo o stress da rapariga.

Mas fez-me lembrar um quadro da Mona Lisa que havia lá em casa quando eu era pequena. Quadro não; a minha mãe comprou a Mona Lisa uma vez na praça, levou-a para casa, meteu-lhe uma bela de uma fita-cola toda ao correr, et voilá, uma bela de uma moldura. Antes disso acho que houve uma moldura verdadeira, de madeira e tudo, mas desconjuntou-se e aquela fita-cola que fingia madeira ficava ali mesmo bem. Quem fosse a correr, pois, não daria por nada. O problema talvez fosse que não se ia a correr. Primeiro, porque a casa era pequena e se se corresse muito, estampava-se contra uma parede, no mínimo.  Depois, e principalmente, porque o olhar daquela mulher desmobiliza qualquer um da sua intenção, seja ela qual for.

Eu achava que ela tinha cara de gozona, mas questionava-me como conseguia ela manter aquela pose com um nome daqueles: "Mona Lisa". Se fosse lá na minha escola, toda a gente ia gozar com o nome dela. Pensei logo de imediato na sorte que tinham as criaturas que viviam dentro dos quadros, não precisavam conviver diariamente com as manifestações mais precoces da estupidez humana.

Experimentei colar-me à parede, mas se a visse, ainda que de esguelha, ela estava lá, sempre a olhar. Não adiantava. Parecia que estava viva. Mas mesmo com aquele ar de gozona, eu achava que devia ser boa rapariga. Até tinha um semblante delicado e um sorriso suave. Se calhar sentia-se embaraçada de tirar fotografias, por isso é que ficou com aquele ar.

Cresci com a Mona Lisa a olhar para mim. Foi interessante, pois habituou-me a fazer frente a eventuais complexos. Ou, por outro lado, talvez, me tenha traumatizado. Talvez seja ela a responsável pela minha inexplicável fobia em relação a olharem fixamente para mim...


6 comentários:

mitro disse...

Pois nunca tinha pensado nestes olhares que nos fixam dos quadros e das montras.
Mas vou passar a ter mais cuidado!
Parabéns pelo texto bem humorado.

Tétisq disse...

Também não gosto que olhem fixamente para mim. Não sei porquê. Não tive que conviver com nenhuma Mona Lisa em criança...

Porcelain disse...

Mitro: é mesmo preciso cuidado... as pragas dos manequins são terríveis... :P

Porcelain disse...

Tétisq: bem, então a minha explicação vai por água a baixo... :P

Anónimo disse...

ahahahahahaha!!!tadinha...as coisas que te fiz passar (é o que faz escolher mal a familia):))

Porcelain disse...

Ora... tornaste-me numa pessoa culta! :)